Dois Irmãos é terra de gente civilizada, educada e respeitosa. Felizmente, as agressões aqui aos profissionais de saúde (e demais) são poucas e, se ocorrem, são verbais, nada físico.
Analisando os casos de agressão aos profissionais de saúde, percebe-se que quem agride sempre tem uma desculpa. Mas, via de regra, a agressão, toda a agressão, é prevalecimento mesmo.
Vou narrar aqui dois casos que entraram para a história da saúde pública em nossa cidade. Foram, em 41 anos de Jornal Dois Irmãos, os mais graves que soubemos.
Veja como foi o caso de uma psicóloga, anos atrás, aqui em Dois Irmãos. A psicóloga estava atendendo no Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS, e chegou lá um homem que havia estado em tratamento.
Ocorreu algo entre eles que acionou um gatilho de violência desmedida no homem. O sujeito, do nada a agarrou pelos cabelos e violentamente bateu com a cabeça dela várias vezes numa mesa. Não satisfeito, passou a arrancar os cabelos dela, enquanto lhe batia e a empurrava. A psicóloga teve grande parte dos cabelos praticamente arrancados.
E detalhe:
Ela foi agredida de graça, porque o foco de violência desse “paciente” não era ela e sim uma outra profissional do CAPS, uma psiquiatra.
O caso médico foi assim:
Esse paciente-agressor sofria de epilepsia comportamental. A psiquiatra que o atendeu, o medicou corretamente e o suspendeu por uns dias do trabalho, para que ele começasse a fazer uso da medicação.
Com o passar dos dias o medicamento fez efeito e, tomando o remédio, ele ficava bem. Porém, ele nem sempre tomava a medicação. E, quando não tomava, sofria os efeitos da doença. Com isso, ele próprio tomou uma decisão: deveria se aposentar.
Voltou ao CAPS e exigiu que a psiquiatra deveria “aposentar” ele.
A psiquiatra falou que para isso acontecer não era ela que poderia fazer a aposentadoria simplesmente. Ele deveria fazer exames neurológicos e que somente esses exames é que poderiam quem sabe comprovar se ele deveria ou não ser aposentado tal qual queria.
A médica também lembrou que se ele tomasse os remédios direitinho, não teria os problemas da epilepsia. E que, portanto, a ideia dele de aposentadoria não parecia viável naquele caso. O homem ficou irritadíssimo com ela, e saiu de lá xingando ela e todos os demais que via pela frente.
Um dia, sem mais nem menos, ele voltou. E novamente exigia ser aposentado. Ocorre que, quando voltou, encontrou não mais a psiquiatra, que naquele horário não estava lá. Encontrou uma psicóloga. Aconteceu uma rápida conversa entre os dois e ele, sem mais nem menos, num ato de fúria e covardia pulou na psicóloga e a agarrou pelos cabelos.
Forte que era, e com ela agarrada pelos cabelos, esse home bateu com a cabeça dela várias e várias vezes numa mesa. Não satisfeito, arrancou grande parte dos cabelos dela, arrancando com tal fúria que saíam aos pedaços, com a pele e tudo.
Foi um horror. No processo que correu no Fórum de Dois Irmãos, se podia ver entranhado nas páginas como prova da violência os chumaços de cabelo que ele arrancou da psicóloga e jogou no chão, enquanto a agredia.
A médica psiquiatra, que parecia ser o foco do ódio dele, não sofreu fisicamente a brutalidade desse homem. Mas acabou sofrendo a violência psicológica.
Ele passou a ameaçar o filho da psiquiatra, que era uma criancinha na época. Assustada, a doutora se demitiu do cargo e se mudou de cidade, indo morar em Ivoti. Fez concurso pela prefeitura de Novo Hamburgo e passou a trabalhar lá. Ficou ali por um tempo e hoje mora em São Paulo, bem longe de Dois Irmãos.
Esta semana falei com ela por telefone, e pude perceber que o efeito da violência não acaba quando finda a agressão. A memória persiste. A lembrança fica viva, e vira e mexe a lembrança agride tanto quanto ou até mais que as batidas que se leva no corpo.
Pontapé e fuga ao banheiro
Um outro caso, igualmente em Dois Irmãos, envolve um usuário, que se tratava no CAPS e certo dia chegou lá para o atendimento.
Ele entrou e, com aquele ar de superioridade, foi gentilmente ouvido por uma atendente. Sem mais nem menos e sem aviso nem razão, ele passou a xingar, a gritar, a empurrar a mesa e, em ato contínuo, atacou a atendente e deu um chute fortíssimo na perna dela.
Ela correu. Escapou. E se trancou no banheiro, enquanto ouvia lá fora ele, aos gritos, dando chutes e derrubando balcão e tudo mais que via pela frente.
Conclusão:
Nos últimos anos (e muito disso é devido a política e aos fanáticos políticos), a sociedade brasileira virou verbalmente violenta, grosseira e agressiva.
Há quem diga e pense que um bate-boca, uma agressão ou xingamento é coisa pouca. E que na vida, quase tudo se explica. Mas nada justifica a violência física ou verbal contra um profissional que está ali apenas atendendo.
Cremers, CFM e Coren dizem que cresceu a violência contra médicos e enfermeiros
Segudo as estatísticas, o número de agressões a enfermeiros e médicos está em alta nas instituições de saúde.
O Conselho Federal de Medicina divulgou que foram registrados 38 mil boletins de ocorrência por agressões (só) contra médicos no Brasil, entre 2013 e 2024. Misteriosamente, o ano de 2023 foi o mais violento e teve 3.981 registros.
No Rio Grande do Sul foram 225 ocorrências por violência em todo o período analisado. É grave, mas é um número pequeno se comparado aos quase 4 mil registrados contra médicos no Paraná, por exemplo.
Integrantes do Cremers, o Conselho Regional de Medicina do RS, dizem que grande parte das agressões não são notificadas, por medo de mais represálias por parte do agressor.
Além disso e segundo o Cremers, as prefeituras e clínicas privadas não dão respaldo aos médicos, que podem ser acusados de abandono de plantão médico se saírem para registrar a ocorrência.
Fora isso, disse o médico vice-presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade à ZH, a maioria não notifica policialmente porque tem a sensação de que não vai dar em nada. A maioria pensa “que ir à polícia será perda de tempo”, disse ele a um veículo da capital do Estado.
O clima no RS também não ajuda a acalmar ânimos. Frio, chuva e umidade chicoteiam a população, abaixando a imunidade e proporcionando gripes, tosses, febres, pneumonias e com tudo isso os postos e hospitais ficam superlotados.
Cansada e irritada, a população chega ansiosa atrás de atendimento. Ocorre a natural espera por atendimento e, pior, por leitos. Isso cria uma situação tensa e potencialmente explosiva, que alguma vez explode no atendente, explode no enfermeiro e explode no médico.
Violência em alta na saúde
Em entrevista recente, o Presidente do SIMERS, médico Marcelo Matias, disse com grande equilíbrio que “não há dúvida de que a violência cresce”.
E por que cresce?
Marcelo afirma que o paciente agride como expressão da sua rotina de frustrações em relação ao atendimento, e que devido a isso ele joga sua frustração e rancor sobre a equipe de saúde, “o que cria tensão maior nas relações sociais e deteriora ainda mais o atendimento”.
Enfermeiros estão na mira
O Conselho Regional de Enfermagem no Rio Grande do Sul publicou um levantamento de agressões ocorridas contra enfermeiros de 2024 até agora. Chamou esse relatório de Observatório da Violência na Enfermagem.
Nele, o Coren registrou, de 2024 até aqui, 74 casos de agressões contra profissionais de enfermagem no Rio Grande do Sul. E, desses, 51 foram agressões praticadas por pacientes durante os procedimentos. FONTE JORNAL DOIS IRMÃOS